11.10.08

Um olhar ácido sobre a crise financeira

..."O Quim da Bouça tem uma tasca na aldeia do Carrapato. Desde que começou a vender aos seus leais fregueses bagaço e figos, uns copos de tinto e a assentar no livro, que entretanto foram aumentando - os fregueses - significativamente, todos apreciadores do bagaço, dos figos e do tinto, mas também todos ou quase todos desempregados.
Porque decide vender fiado, pode aumentar um bocado o preço da dose - a diferença e o aumento que os aldeões pagam pelo crédito e o aumento da margem para compensar o risco.
Como todo o comerciante que se preze, o Quim da Bouça tem aberta uma conta bancária numa agência da vila próxima. O gerente do banco, um ousado administrador formado pelo ISEAEC (Instituto Superior de Economia Aplicada a Estes Casos), decide que o livro de fiados da tasca constitui, afinal, um activo cobrável e começa a adiantar dinheiro à tasca do Quim da Bouça, tendo os fregueses, comedores de figos e bebedores de bagaço e tinto, como garantia.
Na cidade grande, uns executivos de bancos, apreciam os tais cobráveis do banco do Quim da Bouça, e transformam-nos em activos em OVNIS, SOS, POP ou CDO ou outro qualquer acrónimo financeiro, que ninguém sabe exactamente o que quer dizer e muito menos a quem se referem.
Esses adicionais instrumentos financeiros, transformam-se nas alavancas do mercado BM&F (Bom Mercado & Fiado), cujo capital inicial todos desconhecem, e que são, nada mais, nada menos¿ afinal, os livros de fiados do Quim da Bouça.
Esses derivados estão a ser negociados como se fossem títulos sérios, com fortes garantias reais, nos mercados de perto de cem países.
Até que alguém descobre que a tasca da aldeia do Carrapato não tem dinheiro para comprar mais bagaço, mais tinto e figos, e vai à falência. E toda a cadeia pifa no mesmo dia.
Como o tasqueiro, Quim da Bouça, não possui propriedades que possam ser vendidas e não apresenta quaisquer outros rendimentos, mas possui, à socapa, bons fundos que lhe assegurem o futuro desanuviado, mas em nome dum filho menor de idade - fundo intocável - não paga a ninguém e ainda se queixa, mostrando o livro de fiados, da sua desventura.
Abandona a aldeia do Carrapato, vai para bem longe, onde não seja conhecido, reabre uma nova tasca onde já não haverá mais fiados e a vida continua a sorrir-lhe...
Há muitos Quins da Bouça pelo mundo. Mesmo e talvez sobretudo em Portugal."

(retirado de IOL Diário - Artigo do leitor J Seromenho)

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